Corazón Del Espantapájaros / Lugar de Consuelo
(2016 e 2019)

O artista conta o que o levou à concepção da obra. A narrativa contextualiza o cenário de resistência política, censura e sua repercussão na tradição de teatro da Guatemala nos anos 1960.

Coração de Espantalho era uma expressão que eu ouvia muito quando criança, mas não sabia o que significava. Ouvi que tinha sido uma peça de teatro na qual meus tios tinham participado. Eu vi meus tios atuando em algum ponto, quando era criança, mas eram peças para crianças. Então eu imaginei que talvez fosse como uma espécie de Mágico de Oz. Até três ou quatro anos atrás, quando queimou a casa do meu tio - e também minha casa, porque eu morava lá - em uma dessas noites, bêbado, meu tio começou a contar com mais detalhes o que era o Coração de Espantalho. E de certo modo muitas coisas da minha infância começaram a fazer sentido. Como porque aos nove anos ele me forçou a aprender a fazer maquiagem e perucas de palhaço do nada. Ah! Ele também queria me transformar em uma espécie de ator com essa idade. Mas seu interesse por mim logo diminuiu depois que teve seu primeiro filho, então me safei de ter uma espécie de educação teatral. Como um artista já adulto e com uma carreira desenvolvida em performance, se é que se pode chamar de carreira ser um artista de performance, me interessei pelo teatral em parte porque o teatral na performance é um pouco tabu, e também porque o teatral me parece outro mundo, mas também o mundo de algo que não existe, de alguma mensagem. Ouvindo meu tio, soube que o Coração de Espantalho foi uma peça política muito fortemente censurada pelo governo da época. Foi apresentada em meados dos anos setenta por estudantes da universidade popular. Pesquisando mais encontrei um ensaio de Hugo Carrillo que falava com mais detalhes e datas e tudo da censura; e pesquisando mais, lí que há duas pessoas que fizeram seus doutorados sobre essa peça e tocaram em parte o tema da censura. Em meados dos anos setenta, estudantes de teatro da universidade popular adaptaram uma peça de 1962 de Hugo Carrillo. Não é uma obra bem escrita e cai em muitos clichês dos anos cinquenta. Mas ela trata da perseguição de políticos dissidentes em um país e época de ficção. Outro elemento dessa peça original de 62 é o uso de maquiagem de palhaço para os personagens que representam autoridade. Na versão dos anos setenta os estudantes decidiram não usar nada de adereço e nada de figurino, fazer uma espécie de apresentação seca, só eles e suas roupas de usar na rua. E também não respeitaram o roteiro de 62 e adaptaram algumas coisas para a época em que estavam vivendo, porque na Guatemala em 1975 a guerra estava muito forte, uma guerra que começou em 1960 e não terminou até 1996. Em uma dessas apresentações, um ministro do governo foi ver a peça de teatro com sua esposa, os estudantes o reconheceram e começaram a dirigir a palavra a ele, em cena. Depois da sessão, algumas pessoas contam que o ministro foi atrás [dos palcos] e falou com os estudantes dizendo que era uma sacanagem eles terem feito isso e que eles deviam se acalmar. Nessa mesma noite, todos os envolvidos na peça começaram a receber ameaças de morte por telefone. As ameaças a Hugo Carrillo foram tão fortes que ele teve que deixar o país em exílio, mesmo que os estudantes nem tivessem usado seu roteiro, o que ele havia escrito. Outras pessoas que sofreram nessa censura foi um ator entrando no teatro: metralharam a porta do teatro enquanto ele entrava, e o teatro também pegou fogo misteriosamente. Até parece mentira todas essas coisas que aconteceram com o teatro e os atores, e ainda mais pensando que os atores tinham entre 15 e 25 anos. O governo exagerou completamente. Esta obra me interessou como um exemplo de censura durante a guerra na Guatemala e também pensando no papel do estudante de arte e também sobre o que é ser um artista na América Latina. Qual é o momento em que você pisa demais nos pés do governo, da burguesia, em ofender, e o quanto é jogar com isso. Hugo Carrillo diz em seu ensaio que o problema com Coração de Espantalho era que eram estudantes da pequena burguesia fazendo um espetáculo para a própria burguesia, então é claro que alguém ia se ofender no público dessa peça. Esse é meu interesse nessa obra.


* performance para a 32a Bienal de Artes de São Paulo

Direção e costume design: Naufus Ramírez-Figueroa
Co-direção: Martha Kiss Perrone
Performers: Felipe Riquelme, Jaya Baptista, Lowrie Evans, Natália Mendonça e Ricardo Januário
Costumes and props: Alex Casimiro e Valentina Soares


* vídeo-arte gravado na Cidade da Guatemala - estreia na 22 Bienal de Arte Paiz

Conceito, direção, produção e costume design: Naufus Ramírez-Figueroa
Texto e adaptação: Wingston González
Co-direção, câmera, e edição: Robert Beske
Assistente de câmera: Pablo Valladares
Performers: Wingston González, Jeffrey Ortega, Natalia Mendonça, Dharma Morales, Leslie Romero
Som: Amenothep Córdova
Costumes and props realized by: Joe Seely, Alex Cassimiro, Valentina Soares, Nicolette Henry, Alvaro Cuessi
Production Manager: Alberto Rodriguez Collía